Ford Escort RS1700T
O Ford Escort RS1700T foi um dos poucos modelos produzido pela Ford que nunca teve a felicidade de ser posto à prova nas duras provas do Campeonato Mundial de Ralis. Em seu lugar, surgiu o Ford RS200 que tanto prometia, até ao fim abrupto dos Grupo B, em 1986. No entanto, a história do RS1700T tem mais capítulos que fazem da sua curta história, uma leitura bastante interessante.
A história do Escort RS1700T começa em 1980, quando o Ford Escort Mark III é lançado ao público. A Ford planeou utilizar a sua estrutura dedicada aos desportos motorizados (em Boreham), para produzir um Escort com tracção traseira, com o intuito de substituir o antigo Mark II, sendo que esse carro seria utilizado no Campeonato Mundial de 1983.
Os primeiros passos desportivos do Mark III foram dados pela Ford alemã, que o utilizou para competir em circuitos, através do modelo RS 1600i (derivado do XR3). Peter Ashcroft avançou então com um projecto de ralis bastante limitado (no campeonato britânico apenas), utilizando um RS 1600i preparado segundo as especificações de Grupo A e cujos pilotos seriam Malcolm Wilson (numa primeira fase) e Louise Aitken. No entanto, este projecto sofreu vários contratempos, o que levou a que este passasse para a MCD of Widnes (actual Rally Engineering Developments, R.E.D.), a qual tinha preparado o Ford Escort de Ari Vatanen, em 1982. O primeiro carro foi entregue na véspera do Natal de 1982 e o segundo foi concluído pouco antes da primeira prova, o Rally Mintex, a 25 de Fevereiro.
Tendo a Ford uma viatura para o Grupo A, o passo seguinte passaria pela criação de uma viatura de Grupo B, surgindo ai o projecto RS1700T. O objectivo passava pela substituição do arcaico Ford Escort RS 1800 por um carro turbo, devidamente actual e competitivo.
O RS1700T tratou-se do primeiro Ford com turbo, sendo que o motor tratava-se de um BDT (motor BDA com um turbo acoplado) de 1778cc (cilindrada utilizada devido ao factor de correcção utilizado para motores com 3000cc), com bloco em alumínio e cerca de 200cv na sua versão de estrada e 350cv na versão de competição. Tinha tracção traseira, suspensão independente, caixa de velocidade da Hewland, peso entre 960 e 980kgs e a sua velocidade máxima era de 210km/h.
Para corroborar os planos inicialmente projectados, o RS1700T foi testado tanto em Inglaterra, como em Portugal. Os primeiros testes em Inglaterra realizaram-se em 1980, utilizando um Ford Fiesta ao qual tinha sido instalado um motor BDA e tracção traseira, juntamente com alguns paneis exteriores aproveitados do Escort Mark II.
Os testes no nosso pais centraram-se sobretudo na análise da competitividade das viaturas em relação aos seus adversários, pelo que foram utilizados os tempos das especiais utilizadas no último Rali de Portugal (localizadas na Serra da Boa Viagem, junto à Figueira da Foz e em Arganil) para comparação.
Além deste intuito, os testes em Portugal permitiram avaliar outro aspecto: o motor. Apesar de estar programado a utilização do motor BDT, a intenção inicial da Ford passava pela utilização do motor BDA original. No entanto, por motivos diversos (falta de potência, pouco espaço no compartimento do motor,etc), esta solução foi recusada.
Apesar disto, a Ford insistia numa solução atmosférica, razão pela qual trouxe além de uma viatura de testes equipada com motor BDT (protótipo P10, matrícula WVW 100W), uma outra viatura (protótipo P7, matrícula WVW 101W) equipada com o motor Hart 420R, derivado do motor de F2 da mesma marca, com 2300cc. Esta última versão seria preferida, caso a opção de continuar com um motor atmosférico (substituindo assim o BDA) fosse escolhida.
Além destes carros, havia ainda outros carros de teste:
- Protótipo P2 e P3, utilizados para desenvolvimento da aerodinâmica e da integração do motor na viatura;
- Protótipo P4, a primeira viatura utilizável, a qual tinha instalado um motor BDA, de 2000cc e que foi utilizada para confirmação do espaço livre no compartimento do motor do Escort Mark III;
- Protótipo P5, o primeiro veículo apresentado ao público;
- Protótipos P8 e P9, viaturas de teste da versão de estrada do RS1700T;
Voltando aos testes em Portugal, os pilotos presentes foram Pentti Airikalla e Ari Vatanen. Além dos dois protótipos, foi trazido para Portugal um antigo RS de Grupo 4, cuja matrícula era WTW 569S. A Pirelli também esteve presente, trazendo 300 pneus de vários tipos, como SG35, M+S e slicks.Entre os tempos que se puderam apurar, é de destacar o tempo feito na Candosa, em que o protótipo P10 tirou 5 segundos ao tempo de Michele Mouton, no Rali de Portugal.
Relativamente ao protótipo P7, este demonstrou diversos problemas de travões, aparecendo sempre com os discos encandescentes. Numa dessas ocasiões, na Boa Viagem, Airikkala não conseguiu parar junto do cemitério e teve de seguir em frente, fazendo um pião a cerca de 80 km/h, antes de entrar na povoação de Quiaios! Escusado será dizer que o piloto queixou-se destes problemas, apresentando um aspecto nervoso com toda esta situação.
No entanto, a história do protótipo P7 só terminou com Ari Vatanen…Numa recta, ao travar para a ponte, as rodas bloquearam e a viatura precipitou-se num buraco, deixando um rasto de 90 metros e fazendo um voo e looping em pleno ar, acabando no fundo, praticamente destruído. Tanto Vatanen como Phil Short sairam sem aranhões da viatura.
A escolha após estes testes recaiu sobre o motor BDT, o qual dispunha de maior binário e potência, bem como maiores possibilidades de evolução.Depois de devidamente homologado, a intenção da Ford passava por estrear o RS1700T no Rali RAC, visto que era a prova “caseira” da Ford europeia, além de dar um periodo de 6 meses para testes intensivos.
No entanto, apesar destas intenções, o RS1700T foi cancelado, devido a entrada em cena de Stuart Turner, assumindo o controlo da Ford Motorsport. Este tinha em mente uma viatura de tracção total, tendência da época no Campeonato Mundial de Ralis, graças ao Audi Quattro. Além disso, os 200 exemplares de homologação teriam de ser vendidos a cerca de 25000 libras (ao contrário das 10000 libras inicialmente estipuladas), um preço absurdo para a época. Este facto, mais que todos os outros, levou à machadada final do projecto.
Relativamente às viaturas construídas, além dos protótipos já referidos, foram construídos mais alguns exemplares.No total, apenas 18 unidades foram finalizadas, sendo que a única versão de estrada está nas mãos de Malcolm Wilson. Das restantes viaturas (todas de competição), a maioria foi destruída devido a acidentes, restando neste momento muito poucos exemplares.Além disso, à data da anulação do projecto, os 200 paineís da carroçaria, caixas de velocidade e motores BDT já tinham sido construídos, sendo que os motores foram aproveitados para o Ford RS200.